quinta-feira, 5 de maio de 2016

E o Verbo se fez carne

Uma das maiores dificuldades em existir dentro de uma ordem coletiva, é assumir que de fato, não precisamos ser o "um", em si mesmo, mas que podemos ser o "mesmo, no próprio outro"; O eu não precisa ser uma conjunção de singularidades normativas, que se encontram perdidas no universo do individualismo materialista, presente em nossa ordem histórica, mas pode sim, ser uma categoria indefinível, que não está retida no si mesmo, mas projetada constantemente na relação inevitável com o outro, seja esse outro, aquilo que somente precisa ser. 
De fato, desde que nascemos, aprendemos dentro dessa ordem estruturalmente ocidental de afirmação do eu, que nossa vida deverá ser projetada para a consolidação do "si mesmo" e que essa competência em ser esse si mesmo, nada mais é, do que a lúcida existência vitoriosa do sujeito racional e dotado de atributos econômicos; podemos ver nesse momento, que o eu em si mesmo da ocidentalidade, nada mais é do que um invólucro impenetrável das afirmações imutáveis, sagradas e intransponíveis do próprio "si mesmo". Enfim, somos estimulados, nos mais distintos círculos existenciais que a nós nos fora imposto, a estabelecer metas de vida, que se limitem a estar em si mesmo e a pensar esse si mesmo, como categoria insubstituível. Diante desse paradigma do eu para si, me atrevo a refletir sobre o significado prático da expressão cristã, que afirma que o "Verbo encarnado esteve entre nós".
Há muitos anos deixei de compreender a fé cristã como um elemento de meritocracia ou mesmo de esforço em direção aos prêmios divinos; admito que esse processo de amadurecimento não tem sido simples, mas também afirmo que há clareza muito potente em meu interior, que a fé não é algo relacionado ao recôndito de uma condição sobrenatural, pois se assim o fosse, ela seria só uma condição instrumental; é preciso ultrapassar o limite da instrumentalidade, para entender aonde se situa a identidade da verdadeira fé humana e para compreender o que esse ação  de esforço vital tem a nos oferecer para o futuro. Penso que agora seja a hora de refletir nas mais distintas instâncias de nossas convivências em comum, sobre como a fé é uma prática discursiva.
Pensemos: Muitos afirmam que não adianta teorias, quando não se manifesta a prática, todavia eu olho para a realidade de nossa convivência comunal de nossos dias e penso se de fato isso não seria uma miopia habitual, que nos impede de mergulhar na oceano profundo de nossa falência oral e comunicativa. A sociedade brasileira, em especial, escolheu, por inúmeros motivos, que nessa pequena reflexão não seria possível elencar, ser ela mesma, uma prova violenta e horripilante da falta de fé na condição humana e essa falta de fé, não é a fé no homem em si, mas a fé no que o Verbo humano pode produzir. Há uma enorme diferença entre acreditar na entidade humana e acreditar na capacidade mútua de discursividade que pode se manifestar entre os homens, pois o homem é concretamente frutífero, quando entende o poder incontestável da fala, da fala ampla, da fala desimpedida, da fala que não se impõe ao outro, mas que caminha através do outro.
Seria um processo autêntico, se ao invés de soluções arbitrárias e consolidadas, fossemos um conjunto de indivíduos, que se responsabilizam por construir espaços permanentes de diálogos consistentes.  Não é possível se dormir em paz, quando a força motriz de nossa existência social, é a intolerância e o fascismo contínuo. O Verbo precisa habitar em nós, mas não mistificado pelas rigidez das normas morais ou eclesiásticas; o Verbo precisa ser encarnado no vigor de nossas vivências, de nossos entrelaçamentos, de nossas perspectivas pueris de vivenciar a efemeridade do tempo presente e do  futuro que não podemos dominar ou prever. É um loucura sem sentido racional, não compreender que só há uma escolha, mas que ela  não  se dá no  determinismo de um modelo de vida religioso, aonde o Verbo é engessado a preceitos sem fôlego e sem sentido transformador.
O Verbo em nós, é a materialização do prazer em ser, pelo outro, em se encontrar perpetuamente na dependência do outro, é a carne pulsante do amor, que não se restringe a infantis observações sentimentais, mas que se expande em direção à responsabilização em si mesmo, de ser a continuidade da fala; mas que fala é essa? mas que Verbo é esse? não tenho respostas, pois o Verbo não é algo pronto, na verdade o Verbo é o se dar contínuo, é o exercício ético para a totalidade; ele é o compromisso em sorrir quando se sente dor, em ouvir, quando se queria falar, em andar, quando o corpo já não quer mais se mover. Bem, o Verbo ainda está aqui, ele perambula clamando por estar em nós, pois se ele é vivo na carne humana do que somos e se queremos ser mais do que um "em si mesmo", do que um "para si mesmo", que aceitemos ser o Verbo transposto, o Verbo ativo, para que nunca mais sejamos afogados pela negação fascista do Verbo, pela afirmação reacionária, restritiva e punitiva da imposição de um silêncio forçado, de uma indiferença avassaladora.
Há tempo ainda, ainda há tempo, o Verbo está bem aí, mas somente eu e você podemos permitir com que ele encarne; ainda é possível, ainda é possível.
A fé está no Verbo e deixar o Verbo fluir em nós, é a verdadeira manifestação de fé...

7 comentários:

  1. De forma pensada, conseguiu expor algo que sempre me cutucou internamente: a questão do Verbo ! Sempre me perguntei sobre essa rigidez permanente, de coisas e fatos que são aceitos "como verdades absolutas" e também perguntei aos outros..." É um sacrilégio pensar assim ! Como pode VC criticar dessa forma?Estou te banindo..." Pois é, Bruno ! Me puniam sem antes ouvir o que eu tinha verdadeiramente para falar. Fico me perguntando...Será que deixei de lado meu catolicismo quando comecei a querer o Verbo mais próximo? Quando me ative ao fato de sermos mais simplistas e nos desapegarmos dos bens materiais que tanto veneram? É, abro-me ao Verbo e o quero de forma viva, ética, contínua, apesar de minhas fraquezas. Que Ele cuide de meu tempo....Abraços!

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    1. Talvez amiga, o que esteja em questão, seja exatamente a sua projeção de si, através de uma nova condição de proximidade com o outro; muito importante essa questão do impedimento do ouvir e da punição prévia. muito mesmo!

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  2. E podemos refletir sobre o que é o verbo? Jesus disse "EU SOU". Será que não foi uma lição prática oriunda do mestres hindus do poder da afirmação? E trazendo para a psicologia moderna,essa prática da afirmação não estaria fundamentada nos conceitos da neurolingüística? E essa potente e poderosa afirmação "EU SOU" parece ser a fonte da inquietude que nos leva a "abandonar" uma crença ou seguimento religioso para realmente, de corpo e alma, mergulharmos na essência dessas mesmas crenças. E o Verbo se fez carne,Eu Sou!

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    1. Ótima reflexão Luciano; essa leitura sobre as contingências de influências oriundas do próprio hinduísmo, é muito relevante, já que o que está em questão, é a expansão de uma compreensão de nossas vivências e afetamentos, através de um mergulho permanente em uma dimensão de plena interioridade ativa.

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  3. Que possamos sorrir e entender que tal punição não pode atingir o Verbo que em sua totalidade vive em nós. Mesmo tristes , tenhamos alegria, energia e a força da palavra ! Oh, como somos fracos, em nos apegarmos às nossas vãs ilusões. Precisamos acordar ou sucumbiremos.

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