sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O vazio de uma vida


    O vazio é um tema historicamente importante na dimensão do fluir matemático, todavia é somente, em termos espaciais, uma forma de designação específica, assim como tantos outros termos que de modo mitológico representam todo o real, difundindo uma associação perene e constante entre o real que é fato e o real em sua pura existência descritiva. Assim temos muitas dificuldades em entender que o real é aquilo que permanece a contar sua própria historicidade, enquanto os termos são apenas formas de definirmos nossa comunicação com tal realidade.
   Quando trabalho em sala de aula sobre questões pitagóricas, sempre vivo momentos de crescente harmonia com o riso, diante da perplexidade de muitos alunos ao se depararem com minha negação existencial das descrições matemáticas, contudo não é sobre essa temática que venho abordar, mas sim sobre a forma como não entendemos o significado do termo "vazio" em nossa temporalidade existencial. O vazio não é um nada sobre o nada, mas sim o tudo sobre a causa e isso afirmo considerando que o tudo é a ação totalizante que afoga o fôlego comunal da vida, que ofusca e deteriora a força descomunal do corpo, da alma e da simbiose material e espiritual dessa fusão temporal. O vazio é um caos operante, opressivo e violento, que nada afirma sobre a força da vida, mas que tudo nega sobre a causa de existir.
   Quando penso nas infinitas faces e vozes que percorreram minha caminhada, lembro da causa e logo afronto o vazio, mesmo que não seja a minha vida, dotada de constantes de relacionamentos materiais, pois não é a falta de relação física que afirma o vazio, mas a falta de significação sobre o outro, que tem poder totalitário e destrutivo. Uma vez ouvi uma pessoa dizer que eu teorizava, mas que não me relacionava, contudo depois de alguns minutos de questionamentos, ela não soube falar o que é a relação humana e o que ela concebia como causa do existir humano. Os nossos dias, são violentamente marcadas por redes interligadas de relacionamentos de ordem virtual, mas são cada vez mais fortalecidos pela rede destrutiva da intolerância e da idealidade violenta do desejo de que os outros sejam "os nossos outros".
   A sociedade caótica, que exalta a tecnologia e as obrigações sociais e coletivas, dotadas de sorrisos, beleza e alegrias descartáveis, considera a contemplação sobre o vazio, algo tolo e sem significado; pois bem, quem não entende o vazio que ocupa, nunca compreenderá o significado da vida vazia. A vida não é uma  grande rede de relações, ela não é a quantificação de nossas presenças, a vida é a comunhão consistente e coerente com o outro, mas não um outro obrigatório, dentro de um espaço social qualquer, pois aí o outro é só uma parte física dessa estrutura espacial que ocupamos e isso não é vida, é morte, pois a morte também está no espaço que ocupamos enquanto respiramos, ao não entendemos que o outro não depende do espaço físico, mas sim da gratidão interior de tê-lo como integrante do que permanentemente me revelo dentro do mundo das minhas relações.
    A vida não pode ser um vazio de compreensões sobre a importância da diferença da outro, não pode ser um  vazio de audições, quando interrompemos o valor insubstituível de conceber o diferente; ela não pode ser o vazio de uma imagem que oferecemos ao mundo e nem o vazio de ter que ocupar um lado, seja ele qual for, nas diferentes reflexões e debates que realizamos. A vida não pode ser um vazio e não deve ser; quando vou deitar penso nos nomes, lembro das dores, reflito sobre a minha luta contra o meu próprio vazio e assim, continuo militando, para que até o último momento da minha respiração, eu entenda na minha consciência e coração, que o vazio não pode me seduzir e assim saberei ouvir, ao invés de falar, falar só depois de ouvir, pensar ao invés de agir e agir, por que pude pensar, pensar em mim como um tola e maravilhosa partícula quântica, que assim como a gravidade, muda por contingência, mas permanece interferindo na estrutura da vida, lutando contra o vazio da rejeição sobre a mesma. 
    Quem sabe um dia, entendamos que se decepcionar, por esperar algo em troca, seja um ato tão vazio, quanto não se entregar, por achar que não seremos correspondidos. Não é um jogo de romance, é a dialética da vida, aonde lutar contra o vazio, é militar sempre e sempre, para que em nossa consciência, os outros sejam os outros, outros tantos, que nos dão outro sentido ao outro e nos fazem perceber que o vazio, está no um e que a vida, está na conjunção do "nós".