terça-feira, 14 de agosto de 2018

Entre elas

Notas e acordes, traços linguísticos do eco de si mesmas
Vicissitudes enormes e apegos infindáveis, infindáveis e indestrutíveis
Entre quartos e espaços, no nada ou em meio ao todo inominável
Eis que surgem suas faces, os imensuráveis dizeres de suas bocas e de seus corpos

E lá vem de novo, vem e vai, me toma e me solta
Lá aonde tudo se fez ser, lá mesmo, lá aonde não há momento de início
Lá está tudo e não se perde nada, lá me foi permitido e me foi rejeitado
Simplesmente um nada pertinente, que nem eu mesmo testifico seu sentido

Mas sinto profundamente, sinto tão intensamente na alma
E vejo novamente os seus rostos, sim, vejo seus sorrisos
Elas não se foram, não há nada que as torne destituídas do existir
Não há nada que as destrua, em meio ao todo

Outros ecos, alguns mais belos e outros somente providos de saudade
Eles permeiam suas faces cansadas, faces às vezes amargas e por vezes, tão leves
Faces de tantos traços e marcas, faces de contornos geridos por intensidade e perene amor
Amor por eles que se foram e por todos os que ainda persistem

A sonoridade de suas existências é o adjetivo de tal persistência
Assim como a dor nos seus passos, é a força de seu intenso encaixe
Não me diga que elas não querem nos falar o que tem de falar
Não me diga nada, se o seu proferir, for a negação dessas falas

Então seus corpos se esgotam e se renovam
No persistente movimento do diálogo com essa efemeridade espacial
Mesmo diante do mal dessa presente fragilidade, eu ainda ouço aqueles acordes
E choro de alegria, pois ainda ouço e ainda creio

É só mais um dia, mas as palavras refazem meu sentido de estar nesse mundo
Palavras presentes, palavras ausentes e crescentes, palavras sem som, porém tocantes
E no mais, tais versos só expressam a esperança sentida, a esperança vigente
E a espera não traz mal, não agride e não enfraquece

A espera também é um verbo, que conjugado coletivamente, resisti e produz
E se os dias obscuros fazem parir o medo, é no outro, que a causa se refaz
E que assim o seja, que entre nós esteja e que em nós amanheça
Que arda e consuma, que renasça e se refaça

Por essas duas escrevi e escreverei, senti e sentirei
Sejam elas fertilidade e vida, oração e paz, início e continuidade
Sejam elas o que são e por elas sejamos
Sejamos suas e totalmente suas, Arte amada e Democracia desejada...











domingo, 8 de abril de 2018

1998, Lula e a escolha por resistir...

    Talvez o que escrevo aqui, não agrade a muitos, mas sinceramente já aprendi que vale mais a pena viver o que se acredita, do que ser agradável permanentemente; em 1998, enquanto ia completar 17 anos, tomei consciência real do que era o Neoliberalismo, quando ouvi um papo dos meus pais, afirmando que tudo seria vendido em casa, para manter o básico para nos alimentar e prosseguir adiante; tempo duros aqueles, não só para mim, mas para milhões de brasileiros, que viviam de um modo miserável, nos rincões rurais e em diversos centros urbanos desse país. Tempos em que pobre não fazia faculdade privada e pouquíssimos entravam na Universidade Pública; tempos em que não existiam Institutos federais de ensino médio e que não havia gente saindo desse país, com apoio do Estado, para realizar pesquisas científicas; tempo em que meu pai sonhava em poder ter crédito imobiliário e sempre pulávamos de casa em casa; tempos em que o ônibus sempre era a única opção a se utilizar, tempos em que milhões viviam o reflexo dos altos índices de desemprego e que o salário mínimo não valia mais do que 80 Dólares.
    Enfim, 1998 foi um ano complexo, mas ao mesmo tempo inesquecível: Diante daquela consciência que se formava em mim, eu também mergulhava no Rock e vivia minhas primeiras emoções sentimentais. Toda vez que toca uma música dessa época, eu lembro do início da consciência germinada na minha alma. Lembro que sonhava com um mundo melhor, lembro que me filiei ao PT e que chorei com a derrota, do hoje golpista Cristovam Buarque perante Joaquim Roriz aqui no DF, assim como chorei com a vitória massacrante comprada na base da mentira da fixação alienante do  Real, vendida por FHC, por bilhões de reais aos banqueiros da iniciativa privada. Nesse momento, via Lula perder pela terceira vez seguida uma eleição para Presidente do país. Bem, em 2002 o sistema Neoliberal se esgotou, pois ele é apocalíptico em si mesmo e uma hora a miséria é tão grande, que a massa desesperadamente busca outro caminho. Fiquei profundamente feliz ao ver Lula subir aquela rampa. Para quê falei essas coisas? Para afirmar a princípio, que convicções se formam no curso de nossas experiências existenciais e que durante a continuidade de nossa existência, podemos escolher ou não, ser fiéis a essas  crenças e assim definir quem somos de fato.
   Talvez não fosse necessário, mas cabe lembrar dos 30 milhões que saíram da miséria, lembrar das centenas de Institutos Federais e as dezenas de Universidades federais abertas, lembrar que 40 milhões de pessoas conseguiram suas casas, lembrar que o salário mínimo cresceu em quase 500 porcento em relação ao Dólar, lembrar que saímos da 17º economia para a 5° maior do mundo; lembrar que milhões puderam consumir e comer o que não podiam; lembrar que o aeroporto também era lugar de gente diferente, que um pobre ou preto pode e deve estudar em uma Universidade pública e lembrar que a dívida em relação ao PIB, caiu pela metade. Sim, você pode me dizer que o PT praticou conciliação com os banqueiros, que manteve a estrutura política tal como era e que nada avançou na direção da regulação do monopólio midiático existente nesse pais; pode até dizer que o PT manteve a lógica fisiologista do aparelhamento do Estado; sim, você pode sim, pois você tem direito de falar o que quiser, mas com toda sinceridade, me diga uma coisa: Quem manda de fato nesse país? Como leis podem transformar 500 anos de espoliação, miséria e desigualdade, com belos discursos éticos e uma boa intenção metafísica? Como isso pode ocorrer, diante de um país de pessoas alineadas, que nem sabem o que significa o maior câncer nacional e que gritam que o câncer se chama CORRUPÇÃO! balela de gente hipócrita, pois no fundo todos nós damos o nosso jeitinho diário para de alguma forma nos favorecermos e mais ainda, balela de gente que dominada pela mídia, crê que o Estado deve ser destruído pelo bem do interesse público. Sabe por quê isso é balela? É balela, pois o nosso câncer está no relacionamento do Estado com a Dívida comprada pelos banqueiros e rentistas, assim como na forma que o Estado perdoa e favorece os mesmos grupos financeiros, ruralistas e religiosos desse país. Não é o Estado que é o problema, mas o modo como ele se permite existir e você só pode ser covarde, alienado ou pilantra, se não quiser aceitar o fato.
  Quanta ilusão acreditar que alguém pode chegar a Presidência e mudar essa estrutura, sem um Parlamento que não seja cooptado por interesses próprios, sem ter que fazer concessões; sempre respeitarei Lula, pois no fundo ele produziu uma revolução material real e isso é inegável; prestem bem atenção que eu não estou defendendo uma prática, mas sim deixando claro que o mundo real nos impõe ações possíveis, pois esse projeto de país que somos, não está minimamente pronto para uma revolução real e popular, já que metade da população, ainda alimenta sua mente com a Rede Globo e tem como ícones, juízes treinados pelos americanos e a Polícia Federal como estandarte da moral e da eficiência, sendo essa mesma Polícia, aquela que é diretamente associada a muitas das ações do crime organizado e do tráfico de armas desse país. Esses são os heróis de um povo perdido em sua própria incapacidade de perceber quem é quem, no jogo dos interesses presentes. 
  Diante da condição inconstitucional que permeou todo o processo contra Lula, diante da imaterialidade factual de um crime, diante do tratamento singular e perverso conduzido por esse famigerado juiz de Curitiba, associado a uma violência sem precedentes aplicada pela grande mídia, diante do silêncio e da seletividade de uma massa branca vestida da camisa da CBF, diante de toda a nossa omissão, que não fizemos nada e em casa ficamos, contemplando o espetáculo que se revelava diariamente sobre nós, diante da mesma e velha desculpa da mágoa ao PT, aqui estamos nós, contemplando o assombro neoliberal e quem sabe a permanência de muitos outros 1998. O fato é que  tenho críticas ao PT e ao próprio Lula, mas ainda sou fiel ao que cria em 1998, pois no fundo, não se trata do Lula tão somente, mas de uma ideia e de uma forma de ver a sociedade. Para você que vive falando de um país melhor, que vive criticando políticos e que considera que tudo está perdido, a dica é se lembrar  de suas próprias contradições, como diariamente, eu analiso as tantas que tenho.
    O inimigo é a estrutura e Lula se opôs de um modo próprio a ela, por isso foi simbólico o que ele fez em Sorocaba e a narrativa política segue um outro rumo em 2018, aonde aqueles que lutam contra a injustiça social e sonham com uma verdadeira Democracia, não irão se ausentar da parcela que lhes cabe e da luta que se apresenta. Que saibamos decidir do modo correto em cada esfera das cargos legislativos, que toda a esquerda e que os defensores da soberania nacional, se unam em direção à resistência permanente e que os nossos 1998, permanecem vivos em nós; que cada mente e coração conquistado, seja uma parcela indestrutível de nossa participação em algo que vai além das quimeras midiáticas sobre o bem público e o interesse comum, já que o verdadeiro interesse comum, deve e pode ser desenvolvido por cada um de nós. 
     
  Por fim, deixo versos de uma música muito importante para mim, do Dead Fish:
    
"Paz, força, coração, vida, amor e libertação
 Um desejo incontido nas cabeças do 3° mundo
 Tudo isso virá, se pudermos perceber
 Que amar, viver e cantar, não será em vão"...

sábado, 31 de março de 2018

Capitão Fantástico e os nossos dias

    Capitão Fantástico não é uma obra - prima do cinema e nem muito menos, um filme marcante dentro da história do mesmo, pela natureza de suas especificidades técnicas ou de sua produção; sim, ele realmente não é nada disso, mas por qual motivo resolvi falar brevemente sobre a importância desse filme diante das condições presentes em nossos dias brasileiros? Aliás, dias profundamente decadentes. Resolvi falar, pois esse simples e tocante filme, relegado de modo real pela academia americana no início de 2017, consegue nos remeter a um conjunto de reflexões distintas e aqui, de forma didática e objetiva, decidi pensar em algumas dessas questões:
    1) O que é o sentido em existir de forma autônoma no mundo? Que tipo de mundo resolvemos atribuir ao que surge aos nossos lhos  e qual é o tipo de capacidade de dar significado, que nós, como agentes significantes, podemos realizar? O filme nos ensina que é possível ir além da reprodução de ideias prontas, mesmo que elas sejam diferentes, pois não importa que simplesmente pensemos de modos opostos, mas que de fato, sejamos capazes de pensar e de afirmar que somos vivos, pois em tudo e diante de tudo, decidimos definir de modo próprio o que cada coisa, fato e experiência, tem a nos oferecer. Em um país esfacelado pela miséria e pela pobreza dualista, dotada de profunda agressividade e incapacidade de ouvir, seria maravilhoso que cada um de nós, pudéssemos revisitar a natureza de nossas crenças e aperfeiçoar a materialidade de nossas lutas, principalmente diante das contradições que muitas vezes nossas próprias esperanças em pessoas, líderes e causas, possam demonstrar.
    2) Podemos pensar como somos sujeitos autenticamente capazes de dialogar de forma aberta e natural, com quem quer seja? A cena clássica do jantar de família, é uma profunda descrição habermasiana do sentido ético do diálogo, do poder específico da fala, que é vitalizado, pela verdadeira atitude auditiva. De um modo histórico e permanente, somos presos às amarras ontológicas da suposta ordem moral, aonde a imensa maioria nem sabe de fato o sentido do termo moral e regidos pela ordenação cristã, branca e eurocentrista, aprendemos a criminalizar certas condutas e negar a naturalidade das especificidades humanas, assim como das nossas enormes diferenças. O filme nos conduz à transgressão da verdade, mas não da verdade conceitual, ele fala da verdade de sentir e ser humano, de perceber e aprender na humanidade do outro. Diante de um país, envolto na sombra do fascismo e da repressão cega e contínua, uma arma de base consistente é a crença e a prática do diálogo e da percepção que somos humanos e que nossas malditas convenções e formas de controle e domínio do existir de alguém, só dão validade à doença de um país embrutecido e frio, obscuro e decadente.
    3) Por fim, essa película nos lembra que há uma missão árdua e indispensável, que é a de saber enfrentar a lógica de um sistema que por si só, é a morte e a eternidade do morrer, em tudo que é efetivamente humano. A lógica Capitalista e em particular, o protótipo material do Neoliberalismo, nos ensina a nos conformar com a ideia de que estamos dispersos em nossos intuitos individuais e que isso é o mundo que precisamos aceitar e prolongar; nesse mundo o conhecimento é um objeto para funções pessoais, o corpo é um objeto que deve atender anseios específicos e que não pode ser outra coisa, se não os padrões delimitados pela propaganda do existir comercial; nesse mundo cuidamos do corpo, por questões estéticas e para nos mostrar de modo belo e atraente nas redes sociais; nesse mundo nossa relação de cuidado com a natureza, é só o resultado de uma contingência, depois do condição caótica que nós mesmos desenvolvemos; nesse mundo precisamos ser amigos e conhecedores do poder das novas tecnologias e nesse mundo, todo o nosso comportamento deve ser quantificável e preso à jaula do coerente e do aceitável.
     Como então nos opor a isso? Na conclusão final desse filme, vemos um homem lidando com suas contradições, mas sendo conduzido por aqueles que ensinou (filhos), a resistir e resistir com a consciência que somente o equilíbrio é capaz de nos oferecer. Ele aprendeu que o mundo real do sistema capitalista existe como tal e que a resistência deve se oferecer diante dessa própria realidade, com sabedoria e persistência, com sensibilidade e crença. Nos dias que vivemos no Brasil, devemos usar o espelho diário de nossas contradições e perceber o nível e a possibilidade do alcance de nossas vozes e nossas atitudes; todas as malditas condições expostas no parágrafo acima, que sintetizam o Neoliberalismo e a existência de um país reacionário, violento e dominado pelo consumismo, pelo poder da imagem e da falta de percepção democrática e por uma profunda inconsciência humana e crítica, só serão continuamente destronados, se crermos no poder fantástico de nossas pequenas ações coletivas, que firmadas em ideias consistentes, seriam capazes de nos fazer prosseguir, pois o que seria a jornada humana, se não a luta para que permanentemente sejamos mais humanos, através da beleza da vida, que é como tal, a beleza, de sermos juntos e de definirmos conscientemente o país que  juntos e somente juntos, podemos nos tornar, que juntos e somente juntos, podemos operar. 
    O fato é que com leveza e maior bom humor, como a vida tem me ensinado desde o ano passado, porém com firmeza insolúvel, podemos ser, cada um de nós, o Capitão fantástico de si mesmos e em dados momentos, de alguns outros e que um outro ou  alguns outros, também possam fantasticamente nos capitanear, no rumo da Democracia e da consciente vontade popular, pois como nos ensina o filme, o poder é do povo e para o povo...

sábado, 24 de março de 2018

Breve reflexão sobre o ódio

    O ódio é um elemento persistente diante do poder vigoroso da liberdade; ele faz da nossa capacidade de agregação, um tolo propósito de conto de fadas e erradica nossa aspiração de ver a humanidade do outro, tal como ela é. Nesses últimos anos, tenho investido tempo para tentar compreender a natureza desse sentimento e a potência de sua materialidade. O fato é que sempre me assusto com a obscuridade expansiva do ódio, seja ele, em todas as suas formas possíveis, mas mesmo assim, preciso e devo compreender sua forma de existência contínua. 
    Sim, a compreensão é uma atividade necessária e é de fato, base elementar desse tipo de enfrentamento, pois ninguém será capaz de se opor a um mal, se não for capaz de perceber o caminho de sua prática, para  assim reverter o seu poder destrutivo e também mergulhar na essência de sua existência, dentro de cada coração e mente humanas. É evidente que o Neoliberalismo tem um poder próprio de segregar, assim como os juízos moralizantes tem de reduzir o homem a um objeto que possa ser dominado e domesticado; ou seja, entre a segregação e o domínio, há um espaço eficaz para a produção da morte, que não é necessariamente física, mas da capacidade de sentir, ouvir e pensar a necessidade do outro.
      Muitas vezes falamos do ódio na sua extremidade fascista e assim nos ausentamos de pensar e refletir sobre nossas próprias responsabilidades, pois mesmo que repudiemos o universo de violência e da segregação que nos envolve, há uma presença sutil e persistente de uma forma própria de potencialização do mesmo, praticada por nós próprios, mesmo sem pensarmos diretamente nisso. Nessa análise, dois elementos se apresentam: O primeiro diz respeito ao modo como as demandas específicas, se perdem diante da busca pela transformação coletiva e a segunda é a que opõe teoria e prática, no ensejo real de nossas vidas concretas. Em relação ao primeiro caso, é inegável que a luta de cada mulher, mulher negra, homem negro e homossexual, são profundamente relevantes e irrevogáveis, mas a questão é sobre o quanto que em alguns momentos, o exercício delas, esquece a relação direta e agregativa entre as questões específicas e a necessidades reais de uma verdadeira Democracia e o quanto que há de diálogo entre essas causas com a pluralidade das consciências e das liberdades que se fazem presentes dentro da sociedade. Em alguns momentos, as falas e as práticas que se revelam por elas, parecem refletir uma sutil violência ao que toda forma de oposição e pensamento distinto podem oferecer. No fundo, formar a consciência para a Democracia, transcende e transita por essas questões, mas não se resume ao atomismo de suas existências. Em alguns momentos, permitimos que fagulhas do ódio se expandam, em nome da luta pelo reconhecimento e pela igualdade e diante disso surge um profundo desafio face a ameaça de que estejamos cada vez mais dispersos e distantes, por consequência de um sistema que em sua causa de existir, já nos força desde sempre, há crer na divisão e no isolamento.
      Em relação ao segundo elemento, podemos repensar no que representa os nossos discursos e o que apresenta as nossas práticas; ter ódio do outro, não produz nada de humanamente concreto e nada de poder coletivo; a vida é feita de fluxos e escolhas e na verdade, não é o repúdio ao ódio em si, que nos separa do ambiente que envolve esse sentimento. Talvez o que alteraria essa lógica seria o amor e seu benefício verdadeiro. Por instinto amamos aos nossos e aqueles que nos cercam; por escolha podemos amar o desconhecido e aprender com aquilo e aquele que não nos interessava. É verdade que não há um obrigação em amar, mas sinceramente creio que confundimos o que essa palavra tem a nos oferecer, por acharmos que isso necessite de um envolvimento profundo com alguém, quando na verdade, só deveria envolver nossa disposição de entender e ouvir. O amor seria assim, algo simples, mas inegavelmente inquietante, já que nos obrigaria a ir muito além de nós mesmos.
       Por fim, cabe pensar que em nome da esperança, podemos desmistificar o exercício dessa palavra e desnaturalizar o poder do próprio ódio. A realidade é que uma vida inteira não seria o suficiente para entender essa lógica que se manifesta na condição humana, mas também é verdade que todas as nossas vidas podem servir para fazer o melhor que pudermos, dentro dos nossos limites e alcances, em nome da liberdade, das necessidades, da dor e da beleza que habita na singularidade do rosto do outro, do corpo do outro e da história que esse outro, junto a mim, pode construir...

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Ele ainda está aqui




Lá estava ele, ele passou perto de mim e eu vi sua dor

Lá estava ele, ele até sorriu, ele exalou algo seu

Lá estava ele, solto, preso, vivo, morto, cheio de pavor e em puro ardor

Lá estava ele, ali mesmo, bem perto, mais tão longe de receber o amor que não se deu


Assim foram seus passos, passos soltos em direção ao desperdício do dia

Dia frio, dia seu, dia outro, dia dele, dia intenso, de castigo e fome

E a fome e a fome, veio a ele? ninguém o viu, ninguém lhe percebia

Sobre os montes de apelos e a nudez de um nada, a violência mostra seu nome


E a fome e a fome, está com ele? não foi ontem, não é o agora, é só um ele vazio

Sem pensar no que penso, sem se preocupar com os dilemas do dia, ele continua exalando a dor

Se de fora, se de perto, seja só ou somente tão só em si, ele continua remido por um sopro vadio

Quando a noite vem, eu não o vejo e de fato, nunca sinto o seu clamor


Amanhã acordarei e vou dilacerar minhas angústias tão efêmeras a ele e ele ainda será um ele?

Talvez sim, talvez não, talvez nada, talvez um eu e talvez um eu, ainda exista por aí

E perambule entre o vácuo de ser uma singularidade e o sonho de ser visto, sentido e amado

O que é o amor? verbo ou conceito? e a fome? o que ela é? o que ela produz?


Me lembro bem dos dias em que ele falava comigo e eu conhecia sua voz

Em algum tempo, tempo fugaz, sei que canções o recitavam e o dilaceravam

Entre benévolas mensagens de um ano bom, de um novo ano

Ele continua sendo memória desprezível, memória desgastada


1998, esse era o ano, o ano dele, o ano de sonhos, o ano arredio

E os seus pares, cegados seguiam, alienados consentiam

E o que fizeram conosco? o que fizeram com nossos sonhos, cânticos e anseios?

Fizeram o quê de nós? E mesmo assim, ele ainda acredita


Sim, chegaremos aos vinte anos do ele, do eu e do nós

E estamos soltos, perdidos de modo atômico, rindo com um concreto consentimento

E esse é o ele, o ele tomado pela voracidade de poucos, o ele dilacerado em sua infinita miséria

Cantemos por ele, pois quem sabe um dia, ele ainda amará, comerá, sorrirá e sentirá


Sim, ele sentirá, sentirá na injunção e na agregação, na associação e na afetividade vivaz

Naquela afetividade que exige o interesse por um olhar, exige a solidariedade de um sorriso sincero

E nele é que a solidão sonora é destroçada pela harmonia de um suave diálogo

Diálogo atemporal, diálogo de crença, diálogo indomável e contínuo


Pois no fundo, o ele não é um ele, o ele é um você, um você faminto, um você aflito

Um você que cansa, um você que ainda clama e que vê o ele, em cada luta e em cada fragmento

Fragmentos do corpo, da cor, da mente, do sexo, do outro e da beleza que há no diferente

Fragmentos infindáveis em busca de um pertencimento necessário


A música ainda toca por aqui e eu sei que pertenço a ele

E você, ainda crê nele?






quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Entre o estômago e a consciência


Quando a Miriam Leitão anuncia que nunca viu tanta bagunça no controle financeiro e fiscal, se revela o sinal do apocalipse neoliberal! O ódio cego ao PT, partido esse que merece inúmeras críticas, mas que não me permitiria confundir a natureza ontológica das intencionalidades presentes na concretude das mentiras neoliberais, foi o motor e a mola propulsora de tudo que nos envolve nesse momento. Uma coisa é ser crítico ao PT, outra coisa, é saber distinguir as intenções envolvidas no golpe de 2016, que tinham como alvo, a fragilidade plena dos intuitos populares e a escassez real das conquistas coletivas.
Em meio a tudo isso, emerge a potente impunidade seletiva materializada pelo Juiz Sérgio Moro e pelo STF, associadas a certeza de um Congresso que perdeu toda a mínima decência na cara, sendo tais fatos, adocicados pela profunda passividade de uma população que escolheu aceitar a tudo isso de forma omissa e contínua.
Agora, o que parece é que nos cabe esperar as consequências terríveis na vida de cada trabalhador e dos pobres e miseráveis desse país, massa concreta, massa que sofre para persistir em sobreviver; passo a passo, dia a dia, essa massa será convidada a ser uma massa cada vez maior de excluídos, de desvalidos e cansados ratos do sistema neoliberal; sim, no fundo, eu e você, que integramos essa massa, seremos ratos ou talvez já o somos e somos daqueles que engordam pelas sarjetas e esgotos, nas entranhas da sujeira de natureza subterrânea.
Enfim, é necessário falar que isso ainda é só o começo e que o desespero do povo abrirá margem para novas possibilidades em 2018; esperemos que possamos aprender de uma vez por todas, nem que seja pela mera necessidade estomacal, que o câncer neoliberal, é sim, o caminho para nossa destruição coletiva.
Façamos a nossa escolha e que saibamos escolher com a cabeça e como pessoas que ainda suspiram oxigênio em direção ao coletivo e à Democracia, pois se a escolha continuar a ser feita pelo estômago e através do egoísmo e da cegueira seletiva, o que nos restará, serão os vestígios de uma possibilidade existencial de Nação, os vestígios anêmicos e pueris do que podia ser um povo, do que poderia ser, em nós e por nós, uma verdadeira existência conjunta, humana e essencialmente ética.


domingo, 28 de maio de 2017

Um dia bom...


Era um dia chuvoso, era simplesmente um dia qualquer
em minha alma deslizava o nada circundante, o vácuo nadificante
a poeira permitia com que me firmasse no vazio da percepção
e o dia se espreitava, entre vozes desconexas, no invólucro da solidão

Cada passo e cada escolha, rejeitavam a mutação
todo vento e toda proa, fortaleciam a fragilização
em seu olhos, um mistério, uma simples indefinição
no meu peito, um nada antes, um nada sem projeção

Todavia, o dia não é uma mera dimensão temporal da matematização
e em algum momento, ainda nesse dia, algo novo, algo velho, algo simples
algo intenso, algo além, algo do porém, veio ao encontro, veio sem petição
a voz é forte e a alma percebe a profundidade de sua interação

E o tempo escoa, mas aquela proa seguiu outra direção
agora o medo é  um adorável companheiro, uma adorável afirmação
de que não há medo, que por causa do medo, rejeite o seu fluir
pois se sopra forte, deve ser vida e não morte, que há ali

E o dia segue e ele é mais extenso do que essa mania temporalizante
ele é o dia em que uma alma, se afirmou livre para contemplar o ontem
o ontem está aí, o ontem é o dia de hoje, é o dia sem fim

Quanto ao tudo, isso está em tudo, sem nunca me destituir
pois estamos um em dois, dois em um, mesmo que o limite sempre esteja lá
então é isso, então é aquilo, então, que se deixe amar

E o dia segue, não mais inerte, um pleno dia bom
ele é o dia que não acaba, pois vivifica o coração
agora o vento e a proa afirmam a liberdade
que está no hoje, que faz de tudo, uma constante e maravilhosa saudade...