terça-feira, 31 de maio de 2016

O filho de um homem descartável, que se tornou descartável...



Em uma noite morna um menino chora

O choro abafado atrás da parede grossa

As lágrimas se perdem nas vozes extenuadas

No entanto, se houve o som da injustiça

Junto com a última gota da liberdade, sendo derramada em vão


Esse menino era filho de um descartável

Mas o descartável resolveu saltar, saltar para o outro mundo

Esqueceu de seu pobre filho, e só saltou

Saltou para a liberdade


Suicídio, riqueza, ciência

As mãos do filho do descartável agora são rudes

Rudes de tecer apenas o trabalho

E o coração está seco


Em vão, mulheres batem à porta, mas não abrirás

Ficaste sozinho

Sozinho com as guerras, fome e as discussões dentro dos edifícios

Por que chegou um tempo em que não adianta morrer

Chegou um tempo em que a vida se torna apenas uma obrigação, uma ordem


Uma ordem que não será aceita

Pois, ele irá acordar

E quando isso acontecer

Levantará os tapetes e as portas


Será então o pó na sola de suas botas

Será tudo aquilo que não suportas

Mesmo que o medo esteja presente

Medo de ser usado

No amor

No trabalho

Por um homem descartável

Mesmo, eu, já me tornado um descartável


Como vencerá então?

Se ao menos não pode romper o silêncio

Vencer o medo

Nem ao menos roubar um beijo


Hoje aquele menino que chorava e não podia dobrar a esquina

Negar a propina

Matar a fome

Trocar de nome

Tampouco ser um simples homem


Perdeu sua face

Não reconhece esta

Tão triste, tão calmo

Nem os olhos vazios

E os lábios amargos


Não tinha essas mãos sem forças

Paradas, frias e mortas

Não tinha esse coração sem compaixão

Que nem ao menos se mostra

Restou apenas o medo

Seu pai e seu companheiro


O medo dos soldados

O medo das mães

O medo das igrejas

Ele cantará o medo dos ditadores e democratas

O medo da morte e o de depois da morte

E quando ele morrer de medo

Sobre seu túmulo nascerão flores medrosas


Por Júlia Siqueira

sexta-feira, 27 de maio de 2016

O QUE É LIBERDADE?

                                                           
Muito se fala sobre ser livre, mas pouco se discute sobre o que é, de fato, a liberdade. É ter autonomia financeira? Tomar decisões? É poder se expressar da forma que quiser?
O que temos são pontas aleatórias do iceberg que é o livre-arbítrio e nos contentamos com isso. Ninguém é plenamente livre, ninguém pode fazer o que quiser, ir aonde quiser, falar o que quiser.
Temos um roteiro preparado, não por Deus ou pelo universo, um roteiro que a própria sociedade montou para si mesma. Os arquétipos mudam de um grupo cultural para outro, mas sempre existem. Como Carl Jung escreveu O inconsciente individual repousa sobre uma camada mais profunda... Eu a chamo de inconsciente coletivo, parte do inconsciente coletivo é compartilhado universalmente, até sob a comparação de culturas extremamente opostas podemos vê-lo, como exemplo, somos capazes de afirmar que a Tribo Surma, no sudoeste da Etiópia, é tão dotada de crenças e rituais quanto a tribo Cherokee, na América do Norte, ainda que distintas, compartilham da mesma necessidade de misticismos e simbologias.
O dinheiro que ganhamos faz parte de um ciclo chamado economia, você já o ganha sabendo que irá se desfazer, de algum modo, dele. O que você recebe, devolve ao Estado, logo, autonomia financeira não existe, visto que não podemos aplicá-lo desordenadamente, sem pagar impostos, sem sermos submetidos ao consumismo.
As decisões que tomamos são reflexos do que vivemos ou da cultura na qual estamos inseridos. Toda decisão é condicionada pelo que precede dessa lógica. Valores contingentes combinam-se para determinarem que uma ação seja inevitável em adequadas situações e as variáveis nos dão uma falsa sensação de liberdade, quando naturalmente obedecem as leis de causa e efeito.
O próprio corpo não nos dá liberdade, nossos desejos fogem do nosso controle, assim como a genética, a escolha de nascer ou não nascer. O ser humano não conhece o livre-arbítrio integralmente, talvez, diante dele, não saberia nem como reagir, já que estamos acostumados com as regras as explícitas e as implícitas.
Inobstante, assumir a veracidade determinista comportaria admitir um universo detestavelmente premeditado e há certa tragédia nisso, como se nada de original viesse a acontecer na humanidade.
Apesar dos inúmeros arquétipos, ocasionalmente, experimentamos a sensação (ou falsa sensação) de quebrar alguns princípios, o que nos deixa sempre com um efeito colateral de contentamento e autocontrole.
E o que você faria se tivesse liberdade absoluta?


-Thauany Melo

quinta-feira, 5 de maio de 2016

E o Verbo se fez carne

Uma das maiores dificuldades em existir dentro de uma ordem coletiva, é assumir que de fato, não precisamos ser o "um", em si mesmo, mas que podemos ser o "mesmo, no próprio outro"; O eu não precisa ser uma conjunção de singularidades normativas, que se encontram perdidas no universo do individualismo materialista, presente em nossa ordem histórica, mas pode sim, ser uma categoria indefinível, que não está retida no si mesmo, mas projetada constantemente na relação inevitável com o outro, seja esse outro, aquilo que somente precisa ser. 
De fato, desde que nascemos, aprendemos dentro dessa ordem estruturalmente ocidental de afirmação do eu, que nossa vida deverá ser projetada para a consolidação do "si mesmo" e que essa competência em ser esse si mesmo, nada mais é, do que a lúcida existência vitoriosa do sujeito racional e dotado de atributos econômicos; podemos ver nesse momento, que o eu em si mesmo da ocidentalidade, nada mais é do que um invólucro impenetrável das afirmações imutáveis, sagradas e intransponíveis do próprio "si mesmo". Enfim, somos estimulados, nos mais distintos círculos existenciais que a nós nos fora imposto, a estabelecer metas de vida, que se limitem a estar em si mesmo e a pensar esse si mesmo, como categoria insubstituível. Diante desse paradigma do eu para si, me atrevo a refletir sobre o significado prático da expressão cristã, que afirma que o "Verbo encarnado esteve entre nós".
Há muitos anos deixei de compreender a fé cristã como um elemento de meritocracia ou mesmo de esforço em direção aos prêmios divinos; admito que esse processo de amadurecimento não tem sido simples, mas também afirmo que há clareza muito potente em meu interior, que a fé não é algo relacionado ao recôndito de uma condição sobrenatural, pois se assim o fosse, ela seria só uma condição instrumental; é preciso ultrapassar o limite da instrumentalidade, para entender aonde se situa a identidade da verdadeira fé humana e para compreender o que esse ação  de esforço vital tem a nos oferecer para o futuro. Penso que agora seja a hora de refletir nas mais distintas instâncias de nossas convivências em comum, sobre como a fé é uma prática discursiva.
Pensemos: Muitos afirmam que não adianta teorias, quando não se manifesta a prática, todavia eu olho para a realidade de nossa convivência comunal de nossos dias e penso se de fato isso não seria uma miopia habitual, que nos impede de mergulhar na oceano profundo de nossa falência oral e comunicativa. A sociedade brasileira, em especial, escolheu, por inúmeros motivos, que nessa pequena reflexão não seria possível elencar, ser ela mesma, uma prova violenta e horripilante da falta de fé na condição humana e essa falta de fé, não é a fé no homem em si, mas a fé no que o Verbo humano pode produzir. Há uma enorme diferença entre acreditar na entidade humana e acreditar na capacidade mútua de discursividade que pode se manifestar entre os homens, pois o homem é concretamente frutífero, quando entende o poder incontestável da fala, da fala ampla, da fala desimpedida, da fala que não se impõe ao outro, mas que caminha através do outro.
Seria um processo autêntico, se ao invés de soluções arbitrárias e consolidadas, fossemos um conjunto de indivíduos, que se responsabilizam por construir espaços permanentes de diálogos consistentes.  Não é possível se dormir em paz, quando a força motriz de nossa existência social, é a intolerância e o fascismo contínuo. O Verbo precisa habitar em nós, mas não mistificado pelas rigidez das normas morais ou eclesiásticas; o Verbo precisa ser encarnado no vigor de nossas vivências, de nossos entrelaçamentos, de nossas perspectivas pueris de vivenciar a efemeridade do tempo presente e do  futuro que não podemos dominar ou prever. É um loucura sem sentido racional, não compreender que só há uma escolha, mas que ela  não  se dá no  determinismo de um modelo de vida religioso, aonde o Verbo é engessado a preceitos sem fôlego e sem sentido transformador.
O Verbo em nós, é a materialização do prazer em ser, pelo outro, em se encontrar perpetuamente na dependência do outro, é a carne pulsante do amor, que não se restringe a infantis observações sentimentais, mas que se expande em direção à responsabilização em si mesmo, de ser a continuidade da fala; mas que fala é essa? mas que Verbo é esse? não tenho respostas, pois o Verbo não é algo pronto, na verdade o Verbo é o se dar contínuo, é o exercício ético para a totalidade; ele é o compromisso em sorrir quando se sente dor, em ouvir, quando se queria falar, em andar, quando o corpo já não quer mais se mover. Bem, o Verbo ainda está aqui, ele perambula clamando por estar em nós, pois se ele é vivo na carne humana do que somos e se queremos ser mais do que um "em si mesmo", do que um "para si mesmo", que aceitemos ser o Verbo transposto, o Verbo ativo, para que nunca mais sejamos afogados pela negação fascista do Verbo, pela afirmação reacionária, restritiva e punitiva da imposição de um silêncio forçado, de uma indiferença avassaladora.
Há tempo ainda, ainda há tempo, o Verbo está bem aí, mas somente eu e você podemos permitir com que ele encarne; ainda é possível, ainda é possível.
A fé está no Verbo e deixar o Verbo fluir em nós, é a verdadeira manifestação de fé...