sábado, 24 de março de 2018

Breve reflexão sobre o ódio

    O ódio é um elemento persistente diante do poder vigoroso da liberdade; ele faz da nossa capacidade de agregação, um tolo propósito de conto de fadas e erradica nossa aspiração de ver a humanidade do outro, tal como ela é. Nesses últimos anos, tenho investido tempo para tentar compreender a natureza desse sentimento e a potência de sua materialidade. O fato é que sempre me assusto com a obscuridade expansiva do ódio, seja ele, em todas as suas formas possíveis, mas mesmo assim, preciso e devo compreender sua forma de existência contínua. 
    Sim, a compreensão é uma atividade necessária e é de fato, base elementar desse tipo de enfrentamento, pois ninguém será capaz de se opor a um mal, se não for capaz de perceber o caminho de sua prática, para  assim reverter o seu poder destrutivo e também mergulhar na essência de sua existência, dentro de cada coração e mente humanas. É evidente que o Neoliberalismo tem um poder próprio de segregar, assim como os juízos moralizantes tem de reduzir o homem a um objeto que possa ser dominado e domesticado; ou seja, entre a segregação e o domínio, há um espaço eficaz para a produção da morte, que não é necessariamente física, mas da capacidade de sentir, ouvir e pensar a necessidade do outro.
      Muitas vezes falamos do ódio na sua extremidade fascista e assim nos ausentamos de pensar e refletir sobre nossas próprias responsabilidades, pois mesmo que repudiemos o universo de violência e da segregação que nos envolve, há uma presença sutil e persistente de uma forma própria de potencialização do mesmo, praticada por nós próprios, mesmo sem pensarmos diretamente nisso. Nessa análise, dois elementos se apresentam: O primeiro diz respeito ao modo como as demandas específicas, se perdem diante da busca pela transformação coletiva e a segunda é a que opõe teoria e prática, no ensejo real de nossas vidas concretas. Em relação ao primeiro caso, é inegável que a luta de cada mulher, mulher negra, homem negro e homossexual, são profundamente relevantes e irrevogáveis, mas a questão é sobre o quanto que em alguns momentos, o exercício delas, esquece a relação direta e agregativa entre as questões específicas e a necessidades reais de uma verdadeira Democracia e o quanto que há de diálogo entre essas causas com a pluralidade das consciências e das liberdades que se fazem presentes dentro da sociedade. Em alguns momentos, as falas e as práticas que se revelam por elas, parecem refletir uma sutil violência ao que toda forma de oposição e pensamento distinto podem oferecer. No fundo, formar a consciência para a Democracia, transcende e transita por essas questões, mas não se resume ao atomismo de suas existências. Em alguns momentos, permitimos que fagulhas do ódio se expandam, em nome da luta pelo reconhecimento e pela igualdade e diante disso surge um profundo desafio face a ameaça de que estejamos cada vez mais dispersos e distantes, por consequência de um sistema que em sua causa de existir, já nos força desde sempre, há crer na divisão e no isolamento.
      Em relação ao segundo elemento, podemos repensar no que representa os nossos discursos e o que apresenta as nossas práticas; ter ódio do outro, não produz nada de humanamente concreto e nada de poder coletivo; a vida é feita de fluxos e escolhas e na verdade, não é o repúdio ao ódio em si, que nos separa do ambiente que envolve esse sentimento. Talvez o que alteraria essa lógica seria o amor e seu benefício verdadeiro. Por instinto amamos aos nossos e aqueles que nos cercam; por escolha podemos amar o desconhecido e aprender com aquilo e aquele que não nos interessava. É verdade que não há um obrigação em amar, mas sinceramente creio que confundimos o que essa palavra tem a nos oferecer, por acharmos que isso necessite de um envolvimento profundo com alguém, quando na verdade, só deveria envolver nossa disposição de entender e ouvir. O amor seria assim, algo simples, mas inegavelmente inquietante, já que nos obrigaria a ir muito além de nós mesmos.
       Por fim, cabe pensar que em nome da esperança, podemos desmistificar o exercício dessa palavra e desnaturalizar o poder do próprio ódio. A realidade é que uma vida inteira não seria o suficiente para entender essa lógica que se manifesta na condição humana, mas também é verdade que todas as nossas vidas podem servir para fazer o melhor que pudermos, dentro dos nossos limites e alcances, em nome da liberdade, das necessidades, da dor e da beleza que habita na singularidade do rosto do outro, do corpo do outro e da história que esse outro, junto a mim, pode construir...

2 comentários:

  1. Profunda reflexão nobre mestre!

    Em meio a tanta "negatividade" a solução mais sensata é usar do pensamento positivo para, no mínimo, equilibrar a balança na qual os sentimentos humanos encontram-se.

    Faço uma citação dos ensinamentos dos mestres das ciências físicas e espiritualistas: a escuridão é tão somente ausência da luz, a escuridão não existe por si só, não pode ser mensurada, não pode ser retida, simplesmente porque não existe.

    Comparando com sua reflexão, eu diria que o ódio é tão somente a ausência do amor. É claro, considerando as devidas proporções, é um sentimento destrutivo e motivador de disputas, guerras e todo tipo de violência. Porém, bastaria o amor preencher uma pequena porcentagem desse sentimento para convertê-lo completamente em algo bom, pois ele perderia sua razão de ser.

    A parte de nossa composição psicológica que se identifica com o ódio é o ego. Já o amor é um sentimento da essência do ser, seja ela considerada como alma ou o termo que a pessoa quiser usar.

    Talvez a ponte para o ser ir do ódio ao amor seja o perdão, uma palavra tão citada e aclamada mas difícil pra todos nós colocar em prática, pois perdoar é também negar tudo que o ego se identificou, é abrir mão da "razão" e se entregar ao mar do amor.

    Um fraternal abraço caro Bruno!

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  2. Parabéns pela reflexão! Mas penso que o amor deverá prevalecer pois a esperança está nesse acreditar! Abraço amigo e que Deus te abençoe grandemente!

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